terça-feira, 21 de setembro de 2010

O PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO

As eleições faz-nos pensar sobre as estruturas operacionais de sustentação da Democracia - sistema eleitoral, relações entre os poderes, participação enquanto controle da sociedade civil e força organizacional, governança e as alianças partidárias. Enfim, a formulação dos meios necessários para a efetivação de um projeto político social promotor da igualdade social fundamentado na participação direta das representação sociais nas estruturas do Estado. Nessa perspectiva, o professor e cientista político Sérgio Abranches há tempo vem analisando e formulando proposta em atenção a estabilidade política, contemplando a tese da coalização multipartidária, no formato do presidencialismo de coalização. O que de fato vem ocorrendo no Brasil e outros Países da América Latina, merecendo maiores estudos e clareza nos procedimentos adotados, devendo ser definidos com objetividade e transparência quanto à governabilidade, excluindo os interesses marginais que contrariam os valores democráticos porque a clareza dos meios, dos mecanismo de gestão, facilita em muito a compreensão e a justeza dos atos do executivo em relação aos demais poderes constitutivo da República. O texto do professor Sérgio Abranches publicado na Veja (edição 1.677), de 29 de novembro de 2000, tornou-se obrigatório para se pensar e definir o Brasil numa perspectiva estruturante, exigindo dos Partidos, operadores do Direito e dos Movimentos Sociais uma leitura do Brasil, visando à governabilidade pautada no controle social como um dos instrumentos de gestão, bem como no efetivo respeito ao princípio do contraditório encarnado no instituto da oposição parlamentar tanto ideológica quanto operacional. Confira o texto abaixo e manifeste sua opinião.

Sérgio Abranches (*)

A relação entre o Legislativo e o Executivo tem sido um elemento crítico na democracia brasileira. Basta ler o noticiário desta semana no Brasil. Aliás, vale também para a Argentina. Somem-se uma agenda de país emergente, uma presidência com amplos poderes, mas que depende de uma aliança entre partidos rivais para governar. Incorporem-se ainda uma federação e a interferência dos governadores na relação entre o presidente e o Parlamento. Tem-se um arranjo complexo, que dificulta decisões rápidas e pode afetar a estabilidade política. É difícil imaginar que um presidente se eleja e seu partido faça a maioria no Congresso. Para enfrentar sua agenda de problemas, todo presidente tem de governar com uma coalizão multipartidária. É o presidencialismo de coalizão.

É quase impossível reduzir o número de partidos e garantir maiorias unipartidárias mantendo regras democráticas para o jogo político-eleitoral. O grande desafio seria criar mecanismos institucionais que melhorassem as condições de governabilidade em um governo presidencialista de coalizão. Mas sempre que discutimos reforma política e pensamos soluções para nosso dilema institucional, simplesmente não reconhecemos que o governo de coalizão é um traço estrutural de nosso sistema político. Nem nos perguntamos se mais bem institucionalizado, com regras mais claras de relacionamento e incentivos à solução de conflitos, não aumentaria a governabilidade.

Adotar o parlamentarismo, jogando fora o presidencialismo, para ficar com o multipartidarismo e o governo de coalizão pode ser uma solução à italiana. Resultado: instabilidade crônica, em vez de melhor governabilidade.

A primeira vez que escrevi sobre o "presidencialismo de coalizão", em meados dos anos 80, ele parecia uma ave rara no quintal da democracia, de difícil viabilidade histórica. O Brasil era o único caso e não especialmente bem-sucedido. A experiência do período 1945-1964 havia acabado em golpe militar. Nos anos 80, retornamos ao presidencialismo de coalizão, meio por acaso, com o governo Sarney. Tancredo Neves montou seu governo, como de praxe no presidencialismo de coalizão, dividindo postos governamentais entre os vários partidos e facções mais importantes em seu interior, para cimentar uma coalizão que lhe desse se não apoio, pelo menos ouvidos no Congresso. Sarney manteve a tradição. O regime até agüentou bem o impeachment de Collor e a ciclotimia de Itamar Franco.

O Chile tinha experimentado coalizões, mas vivia ainda sob o jugo de Pinochet. A Argentina sempre fora bipartidária, mas as maiorias partidárias não a salvaram do golpe militar. O México era regime de partido único, quase Estado-partido à maneira do socialismo autoritário europeu.

Mas, ao longo da década de 90, o presidencialismo de coalizão começou a aparecer como forma mais generalizada de governança na América Latina.

Com a redemocratização chilena e a eleição do presidente Patricio Aylwin, teve início uma série de governos de coalizão, até agora a mais estável da região. O presidente Frei teve lá seus problemas de relacionamento com os parceiros, inclusive com o atual presidente Lagos, mas, ao final, passou-lhe o boné presidencial pela mesma coalizão, a Concertación, embora sejam de partidos diferentes. O Chile tem um grau a menos de complexidade, porque não é um regime federativo, como Brasil, Argentina e México.

Com a eleição de Fernando de la Rúa, a Argentina começa a ingressar no clube do presidencialismo de coalizão, com a "Alianza" entre a União Cívica Radical e a Frepaso. "Chacho" Alvarez, da Frepaso, renunciou à Vice-Presidência, provocando crise política, que abalou a credibilidade econômica do país. Mas De la Rúa vem contornando os problemas de relacionamento com os aliados, num estilo que seus auxiliares definem como "europeu", para distingui-lo do voluntarismo da Presidência americana, mais "imperial". No México, Vicente Fox pode ter de recorrer a uma coalizão, pois possui uma ampla agenda de reformas para implementar e seu partido é minoritário.

Talvez tenha chegado a hora de começarmos a pensar em mecanismos de gestão política de coalizões, para garantir melhor governabilidade, em vez de ficarmos imaginando como produzir maiorias impossíveis.

(*) É cientista político (sergioabranches@sda.com.br)

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