segunda-feira, 13 de setembro de 2010

DOR SEM FIM

Ellza Souza (*)

A tarde amena de domingo dava a impressão de que a vida é sempre bela e pacata. Para aproveitar o momento de paz fui fazer uma visita à minha mãe em um bairro de classe média da cidade de Manaus. Lá chegando senti uma certa tensão na casa ao lado. Alguns vizinhos espalhavam-se na calçada. Ao desligar o carro ouvi barulho de coisas se quebrando, gritos, choro. Fui saber o que estava acontecendo. A cena que vi deu uma enorme vontade de chorar. Mas naquele momento precisava ser forte e oferecer apoio e solidariedade. Um jovem de 24 anos estava simplesmente destruindo tudo o que tinha dentro de sua casa. Depois passou a quebrar as vidraças, incontrolado e desesperado. Os pais olhavam sem forças para intervir. O irmão segundo soube estava trancado no quarto pois o rapaz culpa o pai e o irmão por algumas de suas desgraças. O rapaz gritava que o pai não lhe dava dinheiro, não fazia nada por ele. Um casal de vizinhos chegou e conseguiu acalmar o jovem..

Um menino ainda, sem grandes experiências de vida mas já envolvido numa ardilosa armadilha e que naquele momento pedia ajuda, berrava para se livrar daquele desespero que estava sentindo. Era latente o sofrimento e o conflito instalado na cabeça do rapaz, um viciado em sabe lá que tipo de droga. A polícia chegou chamada por algum vizinho incomodado e amedrontado com o barulho mas eles se retiraram após algumas explicações. Uma das acusações aos pais é que eles atendiam os traficantes que o procuram na sua casa para passar a droga. Talvez por medo os pais não expulsavam os fornecedores da desgraça de seu filho. E o rapaz já sem forças não tem mais como negar a tão facilitada oferta. Após a fúria dentro de casa ele se acalmou um pouco e sentou num banco no pátio de sua casa. Tomou água com açúcar e café forte. O pai ainda quis trocar acusações com o filho mas pedimos que ele não fizesse isso para não aumentar o desespero visível daquele jovem. Ao redor pedaços e cacos de coisas. Sujeira pra todo lado. Cachorro pelo meio também zonzo com a confusão. O jovem, só pele e osso, sujo, fedorento, cabelos desalinhados, movimentos contínuos de tensão, implorava por socorro aos que estavam ao seu redor. Em alguns momentos pedia desculpas, em outros dizia odiar o pai e o irmão e amar sua mãe. Ela é a única que lhe arranja um dinheirinho para o consumo da desgraça. A mãe diz que lhe dá algum dinheiro para ele não ir roubar dos outros.

Ele está nesse ponto. Rouba em casa (já roubou tudo o que tinha de valor), rouba na rua, é completamente manipulado pelos marginais. Seu pai conta que tem problemas graves de depressão pois sofreu alguns revezes da vida e ficou com sérios problemas financeiros. Perdeu tudo o que tinha. Sua bela casa hoje está na mais completa deterioração. Sem trabalho, doente e com mais de sessenta anos, não consegue mais arranjar uma ocupação. A esposa cuida de tudo em casa e ainda arranja uns bicos para a sobrevivência de todos. Fiquei chocada com o que vi. E me veio à memória o que passei na casa da minha mãe há muito tempo quando o meu irmão aprontava coisas desse tipo. Nesses momentos não sabemos como intervir, como ajudar, como falar, como sofrer menos e acalmar quem se encontra no auge da agonia.

Essa é uma situação comum no cotidiano de muitas famílias. Estamos deixando a bandidagem se apoderar da vida de nossos jovens. O que está acontecendo com o vizinho pode vir a acontecer com qualquer um e precisamos oferecer ajuda. Denunciar. Forçar as autoridades a investirem corretamente as verbas públicas com saúde, educação, transporte, lazer e prevenção das drogas. Não podemos ficar calados diante desse genocídio que acontece diante da gente e fazer de conta que não existe. Cada um faça uma reflexão e descubra como fazer a sua parte. A omissão é uma alternativa que derruba todos os princípios da ética e da solidariedade humana.

(*) É jornalista, estudiosa da cultura amazônica e colaboradora do NCPAM/UFAM.

Nenhum comentário: