segunda-feira, 3 de agosto de 2009

NOSSAS HOMENAGENS AO MAESTRO NIVALDO SANTIAGO



Prefaciado pelo compositor e músico Célio Cruz, com apresentação de Robério Braga, o maestro amazonense Nivaldo Santiago é homenageado em Brasília, com uma edição comemorativa pelos oitenta anos de seu nascimento. A obra é de autoria de Auta Madeira de Amorim Gagliardi, sob o título: Nivaldo Santiago, Uma Amazônia de Música!

Nivaldo, ainda menino, foi levado de sua cidade natal, às margens do rio Purus, no Amazonas, para ingressar na vida monástica, em Santa Catarina. Embora não tenha seguido esse caminho, sua saída para os ares do sul valeu-lhe enveredar pelas vertentes da música, pois foi no colégio dos religiosos Servos de Maria, em Turvo SC, que no dia 15 de agosto de 1945, aos 16 anos, estreou como regente de coro, na apresentação do coral dos meninos do colégio, fato relembrado recentemente, por seu colega Ernesto Peterle, que foi solista na ocasião.

Desde então jamais abandonou a regência coral. Com os Servitas foi para a Itália, onde sua curiosidade e potencial para a música encontraram campo fértil para expandir-se. Em Bolonha estudou órgão clássico e aperfeiçoou-se em regência.

Por motivo de saúde, voltou para o Brasil, teve que deixar a Ordem dos Servos de Maria, e passou a intensificar seus estudos de música. Ingressou no então Conservatório Carlos Gomes, mais tarde Faculdade de Música Carlos Gomes, onde se graduou em Piano, tendo seu diploma registrado na Universidade de São Paulo.

Em São Paulo, iniciou sua carreira de músico profissional: dirigiu a Capela Musical Santa Cecília, constituída de Coro e Orquestra, foi Orientador Musical das Escolas SENAI e, sobretudo, estudou muito. Harmonia, Composição, Regência de Orquestra e Coro, com os maiores professores da época, tais como Ângelo Camin, Fritz Ioede, Emmerich Csammer e, principalmente com João Gomes Jr., seu grande incentivador, juntamente com a pianista Maria Fontoura.

Teve seu talento reconhecido pelo empresário Adalberto Vale que o contemplou com uma bolsa de estudos para o Canadá. No roteiro da viagem estava uma visita a sua família da qual estava apartado havia mais de 10 anos.

Ao chegar a Manaus, encontrou uma cidade simpática, agradável, da qual o fausto vivido na época da borracha era apenas saudade e alguns vestígios em lojas de origem francesa. A música das óperas do Teatro Amazonas havia sido calada. Mas o gosto e o talento do povo permaneciam. O Nivaldo empreendedor, incentivado por um grupo de pessoas da sociedade entre as quais lembramos o professor Afonso Celso Maranhão Nina, Neusa Alves Ferreira, o cantor e compositor Pedro Amorim, e pelo seu grande amigo Cônego Walter Nogueira, deixou-se ficar por um tempo na cidade, atendendo alunos de piano, reconhecendo vozes privilegiadas, a tal ponto que em 1956 criou o coral, ao qual deu o nome de seu professor. O Coral João Gomes Junior, que há mais de 50 anos encontra-se em atividade, graças ao empenho denodado de Cleomar Feitosa, sendo um dos mais antigos do Brasil.



O projeto da bolsa de estudos ficou para trás. Começava aí a trajetória do educador musical, do artista, que não titubeava diante de uma situação em que um jovem talentoso precisava de estímulo e orientação para seguir a carreira musical. São muitos pelo Brasil afora e até no exterior que passaram pelas suas mãos, que receberam, inclusive, apoio financeiro para seguir na profissão.

De Manaus foi convidado para reger um coral na Universidade Federal do Pará. Inquieto, ali descobriu músicos remanescentes de antigas orquestras caladas, e com eles deu início a uma orquestra que juntamente com o coro e um grupo de professores e alunos constituíram a base do que é hoje a grande Escola de Música da Universidade Federal do Pará, que atende desde a iniciação musical para crianças até a pós-graduação. Nivaldo ficou muito sensibilizado, em 2003, com o convite recebido para a comemoração dos 40 anos da Escola, tendo regido na ocasião, obras de sua autoria para orquestra e o Concerto nº 3 para Piano e Orquestra, de Beethoven, com a solista, pianista Gabriella Affonso, no Teatro da Paz.

Para desencadear o movimento musical da Universidade Federal do Pará, Nivaldo contou com o apoio irrestrito do Reitor José Silveira Neto, o grande responsável pela expansão daquela universidade, tendo criado em sua gestão cerca de 20 cursos. É válido lembrar um grupo de jovens, sempre presentes na vida do maestro – Gilberto Chaves, amigo de muitas e muitas horas, Paulo Chaves, Paulo Cal, os professores de música Marina Monarcha, Luis Silvério Maia, Alfredo Trindade, Luiza Silva, Bernadette Bacellar, Helena Gomes Maia, Jarbas Lobato, Raimundo Pinheiro, o professor Edson Franco e tantos outros. Ao sair de Belém, Nivaldo deixou em franco funcionamento o Coral da Universidade Federal do Pará, a Orquestra da Universidade Federal do Pará, o Madrigal Camerata de Belém, e uma escola de música com futuro promissor.

Em Belém, Nivaldo e sua mulher viveram um tempo de crise, mas também de muita alegria, ali nasceu o filho Claudio Santiago, realizaram grandes espetáculos com a Escola de Teatro, com Maria Sílvia e Benedito Nunes, a grande pianista paraense Maria de Nazareth da Silva, ali fizeram grandes amizades: Zuleika e toda a família Bittencourt, o poeta João de Jesus Paes Loureiro, a professora Maria da Glória Boulhosa Caputo, a jornalista Elanir Gomes da Silva - a querida Lana, o inesquecível Waldemar Henrique, e tantos outros que estão guardados no relicário do seu coração.

De Belém Nivaldo foi para Lisboa, Portugal, com bolsa de estudos da Fundação Calouste Gulbenkian, onde, sob orientação do Professor Macário Santiago Kastner, realizou estudos de história da Música, estética, estilística e análise musicais. A seu respeito o professor Kastner assim se referiu em carta-certificado: “Dotado de excelentes faculdades, quer intelectuais, quer artísticas, o Senhor Maestro NIVALDO SANTIAGO está habilitado para ocupar, no seio da sua profissão, lugares não isentos de responsabilidade”. Em Lisboa freqüentou também o curso de Regência Coral ministrado por Michel Corboz. De volta a Belém foi bastante assediado pela imprensa interessada em divulgar as conquistas do festejado maestro da Universidade Federal do Pará.

Aliás, a imprensa sempre esteve ao lado de Nivaldo. Em Manaus, Belém, por toda parte por onde tem andado sempre tem merecido uma nota, uma referência. Em seu arquivo, guarda páginas inteiras com entrevistas em jornais de Belém, de Manaus e mesmo de Knoxville, Tennessee. Dos órgãos de imprensa sempre mereceu troféus de destaque, de jornais e televisão.

Em 1973, Nivaldo retornou a Manaus, a convite da Fundação Universidade do Amazonas, atualmente Universidade Federal do Amazonas, para assumir a direção do Conservatório de Música, recém anexado aos seus quadros. Outra onda de dificuldades, sacrifício, incompreensões. Mas, o espírito inquieto de Nivaldo, como um rio que quando encontra obstáculos ao seu curso, desvia-os e busca os meandros que o levem ao seu destino, o mar, assim Nivaldo; às vezes parava, pensava, refletia, ouvia os amigos verdadeiros e reencontrava o rumo para os seus objetivos que tinham sempre a meta do bem comum, da educação musical para todos.

Após receber alguns convites para visitar os Estados Unidos e recusá-los, por falta de tempo, pois he custava deixar seus grupos, acabou por aceitar uma viagem ao Tenessee, em 1977, onde proferiu palestras sobre a música brasileira, regeu orquestras com músicas de sua autoria e realizou estágio no Método Suzuki, para o ensino de instrumentos musicais em grupo. Aproveitou a viagem para visitar outras cidades americanas, inclusive, Nova Iorque.

No final dos anos 70 e começo dos 1980, pensar um curso superior de música em Manaus era uma fantasia, pois, nem o primário em música ali existia estruturado. O meio encontrado por Nivaldo, com os poucos professores e grande número de alunos de música, foi criar o recém instituído pelo Ministério da Educação, Curso de Educação Artística, que após vários percalços, hoje se encontra devidamente assegurado pela legislação em vigor, funcionando com as várias modalidades artísticas na Universidade Federal do Amazonas; tendo estimulado a criação de outros cursos superiores de artes na Universidade Estadual do Amazonas, que também lhe é reconhecida, atribuindo o seu nome a uma das salas daquela instituição.

Os corais, como sempre, eram a menina dos olhos do Maestro. Em Manaus, criou além do Coral João Gomes Jr., o Coral Bialik, da juventude hebraica, o Coral do Comerciário, o Coral da Escola Técnica Federal do Amazonas, o Coral Feminino de 100 vozes, para comemorar o centenário da Catedral de Manaus, o Coral Universitário, o Madrigal Santiago, além de realizar grandes concentrações orfeônicas de estudantes. Com os corais realizou viagens, participou de festivais, sempre com muito brilhantismo, empolgando platéias com seu repertório e qualidade técnica.

Nivaldo é considerado polêmico. Como não o ser? Ele vem de uma época em que os corais batalharam para introduzir em seu repertório a música popular. Teve de lidar com corais eruditos que só aceitavam cantar os clássicos eruditos. Música brasileira? Nem pensar! Mesmo Villa-Lobos pasme... Hoje ele conta com mais de cinqüenta arranjos de música popular e folclórica, de várias procedências, duas delas conquistando espaços no Brasil e no exterior: “Prelúdio para ninar gente grande”, de Luiz Vieira e o “Tamba-tajá”, de Waldemar Henrique.

Seu gosto pelo Canto Coral valeu-lhe o reconhecimento no Brasil inteiro. Com o apoio da FUNARTE, viajou por todo o país, dirigindo laboratórios corais, proferindo conferências, participando de júris, regendo corais.

Apaixonado pela voz humana, dos corais pinçava as melhores vozes para solos e encaminhava-as para estudo, sendo responsável pelo início de carreira de algumas cantoras neste país das quais se destaca a brilhante Taís Bandeira, uma realidade efetiva na ópera brasileira.

Um dia, mais uma vez Nivaldo deixou o Amazonas. Agora não foi a música, mas a família que falou mais alto. A perspectiva de nascimento do primeiro neto Frederico, em Belo Horizonte, e mais tarde Rafael Augusto, atraiu para o sudeste brasileiro o avô, já aposentado de seus cargos de titular de universidades e um tanto cansado da luta para a realização de uma prática musical de qualidade em sua terra, o que por fim está acontecendo.



Mas pensam que nosso maestro entregou-se ao chinelo e ao pijama? Jamais. Estimulado pela presidente do Centro de Estudos Shakespereanos, Aimara Resende, criou o Studium Chorale, um coro que funcionou em Belo Horizonte até sua decisão de mudar-se para uma cidade do interior, onde sua mulher já atuava como professora de uma universidade particular. Em Bom Despacho, pacata cidade da região do Alto São Francisco, no interior mineiro, situada num belo planalto cercada de pastos por todo lado, ainda não foi aí que o espírito incansável entregou-se ao passa-tempo dos aposentados. Muito pelo contrário. Na cidade encontrou o Coral Voz e Vida, havia quatro anos sem atividade por falta de maestro.

O que fazer? Assumir o Coral, prepará-lo para vôos mais altos, como é do seu feitio. Com pouco mais de dois anos à frente do grupo já o estava levando para os festivais: Internacional de Maringá, Paraná, 2005; Encontro Nacional de Coros de Sergipe, Aracaju, 2006; Festival Internacional de Criciúma, Santa Catarina, 2007. E, concertos, muitos. Em Bom Despacho, Divinópolis, Curitiba, Florianópolis... como sempre, o maestro mais aplaudido, o coro mais destacado. Não fica por aí. Percebendo a grande necessidade de atender à excepcional musicalidade dos mineiros, especialmente das lindas crianças de Bom Despacho, elaborou o Projeto Crescendo com Música, que foi assumido pelo Coral Voz e Vida e está em funcionamento desde 2005, com o Coro Infanto-Juvenil Voz e Vida e mais cerca de 80 crianças em atividades de musicalização, canto coral e iniciação aos instrumentos de orquestra. Nesta tarefa conta com a coordenação pedagógica de sua mulher, Maria do Socorro Santiago, doutora em Artes, pela Universidade de São Paulo, e é auxiliado pelas monitoras Marlene Correia da Silva, Maura Gontijo e Lúcia Saldanha da Silva.

E assim uma vida se faz de sons, risos, lágrimas e muito trabalho. O modelo é o rio que não perde o sentido do seu destino, como verá adiante o leitor.

Pelo seu engajamento constante na sociedade, o Maestro Nivaldo Santiago instruiu e influenciou com a sua música e o seu trabalho por mais de duas gerações, compositores, instrumentistas, cantores e coralistas, do norte ao sul do País, revitalizando a Música e as artes na Amazônia, em Manaus, Belém, no interior da Amazônia, no sul, no sudeste, em Belo Horizonte, e mais recentemente, em especial, na cidade de Bom Despacho - MG.

É comum encontrar-se nos dias atuais, vários dos seus ex-alunos, ex-coralistas e amigos, como integrantes de novos grupos musicais, seja na execução de instrumentos, ou ainda, seja fundando e cantando em novos grupos corais, no uso singelo da própria voz, ou em solo, retratando em pedaços da vida, como se revela Nivaldo – um apaixonado pela voz humana! Formou-se, assim, no decorrer do tempo em torno desse músico extraordinário, uma verdadeira “Constante Santiago” – eis que, invariavelmente, a maioria daqueles que passaram pelas suas mãos junto com a batuta continuam a fazer música, Amazônia a fora.

Nota: Auta de Amorim Gagliardi Maderia, amazonense, ex-contralto do Coral Universitário e aluna da professora Jerusa Mustafa, do curso de piano do conservatorio de música da Universidade Federal do Amazonas - da Ordem dos Buiuçus, in Amazonia, um pouco-antes e alem-depois. Manaus, ed, Humberto Calderaro FIlho, 1977, p. 121-128.
Advogada de Brasília desde 1984.
Brasília, Distrito Federal, verão de 2009.

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