sábado, 5 de dezembro de 2009

BR-319 - ESPECIAL: COP 15 - COPENHAGUE 2009


A BBC Brasil produziu um documento Especial: Cop 15 - Copenhague 2009, dando visibilidade as contradições em disputa sobre a construção da BR-319 (Porto Velho - Manaus). Nessa edição procuramos nos reportar a alguns artigos e ao mesmo tempo informar aos nossos leitores se de interesse for, que todo o acervo está disponível na intenet. O Movimento S.O.S Encontro das águas gostaria também de ver o mesmo empenho da equipe da BBC em relação à proteção do nosso Encontro das Águs (rio Negro com Solimões), que encarna em si um imenso valor histórico, socioambiental e econômico, a se manifestar na cultura do povo do Amazonas. Mas, nesse momento, os holofotes estão focados para a BR-319, se asfaltada for não há dúvida que a desgraça virá a galope.

Para uns, “estrada da destruição”; para outros, “rodovia do futuro”, a BR-319 (Porto Velho-Manaus) – construída na década de 70, parte do projeto do governo militar brasileiro de integrar a Amazônia, e abandonada na década seguinte – é uma síntese dos desafios fundamentais para a região: preservar e desenvolver.

O repórter da BBC Brasil, Eric Camara, está percorrendo os quase 900 quilômetros da rodovia – já pavimentados ou ainda esburacados – para ver de perto como o polêmico reasfaltamento da estrada deve afetar a vida dos moradores e a natureza da região.

Críticas e elogios, a polêmica continua

Embarcamos em Manaus de volta a Londres nesta quarta-feira. Nos últimos 12 dias, a BBC Brasil dedicou este espaço exclusivo à polêmica sobre a reabertura da BR-319, entre Porto Velho e Manaus.

No decorrer da expedição pela BR-319, houve pouco espaço para críticas aos planos de asfaltamento da estrada. Nada mais natural, pudemos constatar, diante do abandono em que muitas comunidades vivem.

Faltam escolas, falta transporte, falta saúde... Só não faltam comida e esperança. No primeiro caso, a Floresta Amazônica é sinônimo de fartura; no segundo, voltamos à reabertura da BR-319.

Em locais como a aldeia indígena Tucumã, a cerca de um quilômetro da estrada, o reasfaltamento é visto com certa desconfiança – ou suspeita de que o asfalto vá atrair mais grileiros e fazendeiros –, mas ninguém se diz contra.

“Vai ser positivo? Olha...”, me disse, pensativo, o cacique Luiz Apurinã.

Centenas de quilômetros adiante na estrada, essa desconfiança vira medo. Marli Schroeder, uma imigrante catarinense loura de olhos azuis que vive isolada em uma fazenda de gado já se sente insegura.

“Ouvi dizerem que aqui tinha muita grilagem e até matança por causa de terra. Disso tenho medo.”

Nem por isso ela é contra a estrada. Muito pelo contrário, ela defende a reabertura vigorosamente, lembrando que hoje em dia, as mulheres de sua fazenda vão à cidade mais próxima, Humaitá, apenas uma vez por ano.

Foi preciso chegarmos a Manaus para encontrar vozes que se opõem frontalmente ao asfaltamento – cientistas como Philip Fearnside e Mario Cohn-Haft, que dedicam a vida a estudar a Amazônia.

Foi também na capital amazonense que encontramos o principal advogado da causa: o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, que desde 2005 vem trabalhando pela reabertura da BR-319 dentro do governo.

“O grande perigo que nós podemos correr, eu insisto em dizer, é deixar a estrada do jeito que está. O Estado não está presente lá, e as pessoas vão ocupar essa região se nós não cuidarmos de colocar o Estado a cuidar, a preservar essa região tão importante”, disse o ministro à BBC Brasil.

Pelo menos sobre a importância da área, Nascimento e a comunidade científica parecem estar de acordo.

Já sobre a forma de preservá-la, as opiniões são diametralmente opostas. O especialista em avifauna do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Mario Cohn-Haft, diz que o que o ministro chama de risco é a solução mais barata para evitar a devastação.

“Aquela região só está preservada, porque a estrada está abandonada há mais de vinte anos”, disse o cientista, que descobriu duas espécies de pássaros até então desconhecidas para a ciência em áreas próximas à BR-319.

Philip Fearnside, também do Inpa, criou modelos de desmatamento baseados na dinâmica de desmate registrada em outras estradas e chegou à conclusão de que as perdas só na área mais próxima à rodovia poderiam chegar a até 33% da mata.

No entanto, ele destaca que a preocupação maior é que o asfalto na BR-319 pode levar a devastação até Roraima, por causa da migração de pessoas de Rondônia e do arco do desmatamento para a região central da Amazônia, Manaus e mais ao norte.

Além disso, ele teme que o impacto das estradas transversais à BR leve a derrubada a regiões até hoje completamente inacessíveis no oeste da Amazônia.

“Isso poderia abrir uma enorme área de terras do governo, uma área do tamanho de Rondônia, que ficaria suscetível à invasão de pequenos produtores sem-terra e do Movimento dos Sem-Terra, além de grileiros”, afirmou Fearnside.

Os argumentos são fortes de todos os lados.

Para mim, quem melhor resumiu a situação foi outro cientista, o primatólogo Fábio Rohe, da Wildlife Conservation Society, que trabalha em um projeto de levantamento de espécies na BR-319 em parceira com a Universidade Federal da Amazônia (Ufam).

“Sem dúvida é uma região em que as pessoas precisam de muitas coisas para ter melhores condições de vida. A ideia é a gente tentar chegar neste meio termo para que não se acabe com toda a natureza, mas que as pessoas possam ter uma vida melhor.”

Dia 9: Fim de linha depois de 6 dias na BR-319

Foram seis dias e cerca de 900 quilômetros de barro, algum asfalto, buracos e muita, mas muita floresta. Finalmente, neste domingo, completamos a BR-319 de Porto Velho a Manaus.

Vimos botos cor-de-rosa, jacarés, araras, papagaios, mutuns, cotias, anta (pelo menos pegadas), sem contar com uma infinidade de plantas e insetos que a minha ignorância não me permite enumerar.

Isso sem nos afastarmos da estrada. Imagina o que existe lá para dentro...

Ao mesmo tempo, conversamos com ribeirinhos que já tiveram malária mais de 20 vezes, jovens de 18 anos que nunca foram a uma escola, cidadãos brasileiros que são obrigados a andar dezenas de quilômetros para tirar qualquer documento, índios que acham que conforto é dormir na rede e não no chão.

E no meio disso tudo, o Exército brasileiro, que muitas vezes parece ser o único braço oficial longo o suficiente para alcançar os cantões da Amazônia.

Nunca pensei que no fim da viagem fosse ter uma opinião definitiva sobre a reabertura ou não da BR-319. E de fato, a viagem me deixou ainda mais indeciso.

Em um lugar como o paradisíaco Igapó Açu, onde botos rosa comem peixe na mão dos moradores, que tomam banho nas águas limpas literalmente ao lado da barca que faz a travessia dos carros, a tendência seria ser contra a estrada.

Os próprios moradores têm visões peculiares sobre o tema: uns dizem que querem a estrada asfaltada apenas entre Manaus e Igapó Açu, para evitar que a vila de pescadores vire local de passagem.

Outros dizem querer tudo asfaltado até Porto Velho e confiam nos planos do governo de criar e monitorar unidades de conservação para evitar a ação de grileiros e madeireiras ilegais.

Mas como ser contra a estrada quando todos os anos, dezenas de pessoas pegam malária e precisam de atendimento médico imediato, embora fiquem a mais de 200 quilômetros do hospital mais próximo.

Como ser contra o asfaltamento, se na época das chuvas, com a estrada impassável, o barco é a única opção, levando quatro dias de viagem?

Centenas de quilômetros mais ao sul, a fazenda dos Catarinos cria gado de corte para Humaitá. Mas na época das chuvas – seis meses por anos, é bom lembrar – fica praticamente isolada por falta de condições na estrada.

Como fica a produção, o ganha-pão das famílias que vivem na fazenda nesta época?

Mesmo entre Porto Velho e Humaitá, na vila Renascer, a carência de transporte público dificulta a educação dos jovens.

Um assunto poucas vezes comentado nesta polêmica é o potencial turístico da região.

A chamada “estrada parque”, como querem os defensores da reabertura da BR-319, poderia dar um forte impulso à atividade turística da região, à qual não faltam atributos naturais.

No entanto, para fazer com que os 27 parques no entorno da BR-319 sejam respeitados, o governo em todos as suas esferas vai ter que trabalhar dura e eficientemente.

Em uma área tão grande, isolada e com tantas riquezas naturais, placas e ameaças não são armas suficientemente ameaçadoras para impedir a ação dos desmatadores.

Dia 8: Uma espinha de peixe sobre um mar de verde

Ver a BR-319 de cima é provavelmente a maneira mais rápida de se entender o que está em jogo na discussão sobre a reabertura ou não da rodovia.

Com a autorização de funcionários encarregados da manutenção de uma das mais de 40 torres da Embratel que garantem o bom funcionamento da infra-estrutura de telecomunicações da região amazônica, pode-se escalar as estruturas e ver a floresta de cima.

O que se enxerga é verde para tudo quanto é lado e uma cicatriz amarelada, com manchas pretas de asfalto – a BR-319.

Do alto, o isolamento das pessoas que vivem às margens da rodovia, hoje uma trilha esburacada, é literalmente visível. A distância entre as comunidades é enorme.

Por outro lado, não é preciso ter muita imaginação para se visualizar o estrago que estradas secundárias – já planejadas pelos governos estaduais – poderia fazer.

Basta imaginar cicatrizes transversais à rodovia, e daí, outros pequenos cortes também transversais. É o chamado "efeito espinha de peixe".

Um dos mais respeitados especialistas em Amazônia, o professor Phillip Fearnside, do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), publicou um estudo recentemente afirmando que o impacto da BR-319 e suas transversais pode derrubar até 33% da floresta intocada.

Por outro lado, o governo brasileiro, ou pelo menos os defensores da reabertura da estrada dentro dele, refutam essa ideia, sob o argumento de que a criação de 27 unidades de conservação ao longo da BR-319 vai proteger a região.

O conceito foi até apelidado de "estrada-parque" pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No entanto, outra coisa fácil de perceber de cima é a dificuldade de fiscalização de uma área tão vasta.

Perto de Manaus, civilização retorna - e também os sinais de destruição

Em conversas com moradores, a opinião é praticamente unânime: a estrada seria extremante útil; mas ao mesmo tempo, eles também querem ver a proteção da floresta.

Indo de Igapó Açu até Careiro, perto de Manaus, tem-se a nítida impressão de estar voltando à civilização: mais carros, asfalto melhor (já sendo reconstruído pelo Exército) e muito mais áreas queimadas.

Regularmente aparecem as áreas queimadas coladas à BR-319. Coincidência ou não, a incidência destes campos queimados – para transformar a floresta em pasto ou em lavoura – é bem mais visível nas partes já reasfaltadas pelo Exército.

Será que, se voltarmos em dois anos ao trecho fechado da rodovia, caso o projeto de recapeamento da BR seja aprovado, veremos a repetição desse efeito por lá?

Fonte:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/10/091027_asfaltofloresta_diario.shtml

Um comentário:

Anônimo disse...

Tenho um amigo que diz:"PARA OS AMBIENTALISTAS, MAIS VALE UMA ÁRVORE EM PÉ QUE UM CABOCLO FELIZ".E é verdade, pouco se preocupam com os caboclos.... se morrerem por falta de assistecia médica pior para eles, pois não irão fazer falta.E viva a floresta, e morram os caboclos.