quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

UM PREFÁCIO À TERRA INÓSPITA


Breno Rodrigo de Messias Leite*

Nas democracias constitucionais que funcionam sob a égide do regime presidencialista, a lógica de interação entre o Executivo e o Legislativo tem como base a aprovação de leis de interesse tanto do Executivo quanto do Legislativo.

Os legisladores utilizam o logrolling como um eficiente mecanismo de troca, isto é, da troca de votos assumindo compromissos mútuos de cooperação estratégica.

O governante, por sua vez, também munido de mecanismos institucionais específicos, consegue negociar os projetos de seu interesse com sua base parlamentar, o que garante a governabilidade e legitimidade do Poder Executivo.

Em outras palavras, podemos dizer que no desenho institucional do presidencialismo brasileiro, o presidente da República também é um agente estratégico dentro do Legislativo, assumindo assim os poderes legislativos proativos (poder de decreto etc.) e reativos (vetos parcial e total etc.).

Observando o recente desempenho institucional no País, constata-se que tanto no presidencialismo de coalizão quanto no ultrapresidencialismo estadual a lógica da interação entre os poderes é muito parecida. Um presidente da República e governador controlando e conduzindo sua maioria legislativa no Congresso Nacional bicameral (senadores + deputados federais) e na Assembleia Legislativa unicameral (deputados estaduais), respectivamente.

Mas as similitudes ficam por aí. Em matéria orçamentária, os deputados federais, por meio do Colégio de Líderes e da força partidária na formação da coalizão parlamentar do presidente, conseguem barganhar muito mais recursos para seus redutos eleitorais.

Na prática, os deputados federais atuam como verdadeiros vereadores federais: distribuem recursos orçamentários dispersos para demandas majoritariamente concentradas em municípios. Este tipo de procedimento possibilita que os legisladores atinjam sua principal meta: a conquista da reeleição e, por conseguinte, de sua sobrevivência política.

Em nível estadual tal modus operandis não muda significativamente: os deputados estaduais também conseguem alocar recursos do orçamento para seus redutos eleitorais. Mas não o fazem de forma transparente, resultando em pesados déficits de accountability horizontal.

Ao contrário dos deputados federais que negociam diretamente com seus líderes possibilitando, assim, a redução dos custos de transação na dinâmica negociadora, os deputados estaduais procuram atender seus interesses diretamente com os secretários de estado (em geral, integrantes de algum rótulo partidário com base parlamentar de apoio ao governo) ou diretamente com o governador. Eles, os deputados estaduais, vão com o “pires na mão” – para ficarmos apenas neste adágio do nosso folclore político –com o propósito de pedir que seus redutos eleitorais não fiquem desassistidos das ações de governo (políticas públicas).

Esta lógica de interação entre o Executivo e o Legislativo é fortalecida pelo sistema proporcional com lista aberta. A lista aberta (particularidade do Brasil, da Finlândia, da Polônia e do Chile até 1973) incentiva o comportamento individualista e oportunista dos políticos que competem na representação proporcional.

Esta conexão eleitoral forte propicia que tenhamos dois tipos de comportamento: no período das eleições, o candidato precisa comprar os votos dos eleitores (daí os inúmeros casos de cassações de mandatos por compra de voto); quando eleitos precisam vender o seu voto para o Executivo (daí também os inúmeros casos de “mensalão” em todos os níveis, independentemente da coloração partidária). Trata-se apenas de um custo de oportunidade num tipo de concorrência oligopolista, no primeiro caso, e de concorrência monopsônica, no segundo.

Deixando o moralismo de lado, esta é a trajetória dependente que estrutura a política brasileira. Com estas instituições (= regras do jogo) continuaremos a presenciar situações constrangedoras como esta protagonizada pelo ainda governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (ex-DEM e agora sem partido).

Não devemos deixar de fora, porém, é que apenas nos períodos de crise política a agenda da reforma política minimalista (que insiste em tocar apenas nas regras eleitorais) se coloca como uma solução.

Na verdade, precisamos de uma reforma política profunda que consiga atingir o coração do sistema de governo: o presidencialismo de coalizão. E dessa forma, diante de tantas crises, a possibilidade de se implantar o regime semipresidencialista que prepare bases da transição para o parlamentarismo multipartidário (modelo alemão).

Mas, como sabemos, isto está fora de cogitação para esta legislatura, bem como para as legislaturas vindouras... Atualmente, a agenda para uma reforma profunda é apenas uma utopia. Devemos nos contentar com o estado da arte.

*Mestrando em Ciência Política (UFPA) e bolsista da CAPES.

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