sábado, 26 de dezembro de 2009

TRISTES DILEMAS

Em 2010 haverá eleições, todos sabem. O governo federal abandonou o discurso da responsabilidade fiscal, da contenção de custos e do controle dos gastos públicos. O presidente já fala, nos discursos, que é “hora do povo pedir, pois é seu último ano”. Como irá governar em 2011, o próximo presidente eleito? Até que ponto o debate sobre o modelo desenvolvimentista e seus limites irá retornar? Quais o alcance desse tipo de atuação do estado? Será que as “ reformas de base”, antiga demanda trabalhista e nacionalista, foram realizadas pelo bolsa-família? Como reagirá o eleitorado se for chamado a conter seu ímpeto consumista e estatizante diante de eventuais problemas na gestão das contas públicas nos próximos dois ou três anos?

Gilson Gil (*)

O mês de dezembro assistiu duas mortes cujos destinos cruzaram-se há quase 50 anos: o embaixador dos EUA no Brasil, em 1964, Lincoln Gordon, e o presidente brasileiro de então, João Goulart. Gordon faleceu há alguns dias (21-12) e Jango, em 6-12-1976. Os dois foram figuras decisivas naquele que foi o canto do cisne da república populista brasileira, como os historiadores costumam chamar o período de redemocratização pós-Estado Novo. O governo de Jango (1961-1964) foi um período de intensa polarização política. Esquerda e direita forçaram o jogo democrático aos seus extremos. Tentativas seguidas de desestabilização foram efetuadas por ambos os lados. Greves seguidas dos mais diversos setores, golpes, decretação frustrada de estado de sítio por parte do presidente, CPIs, conflitos internacionais, inflação galopante, ameaças do FMI, enfim, foram tempos “sombrios”, usando a linguagem da filósofa Hannah Arendt.

Desde a república velha (1889-1930) que um problema central marcava a democracia brasileira: a exclusão de amplos setores da sociedade da vida política e econômica. A revolução de 30, o Estado Novo, a CLT varguista e a redemocratização de 45 foram instantes dessa briga. Os partidos pós-45 espelharam essas diferenças e foram ganhando, ao longo dos anos 50, contornos ideológicos bem definidos, especialmente PSD, PTB e UDN. Um, PSD, era o representante da alta burguesia urbana, dos latifundiários, funcionários públicos e empresários. Outro, a UDN, abrigava a baixa classe média urbana, setores das forças armadas e segmentos mais conservadores do empresariado. Por fim, o PTB consolidou a imagem de defensor dos trabalhadores urbanos, da recém criada indústria brasileira, em especial aquela vinculada à máquina do ministério do trabalho getulista.

O PCB, como historiadores atuais já assinalaram, sendo “engolido” pelo PTB na representação operária, às vezes usando o recurso de “entrar” nas hostes trabalhistas, a fim de manter-se atuante e na vanguarda real do proletariado. Como a cientista política Maria do Carmo Campello destacava, esses 3 partidos adquiriram contornos bem definidos e razoável institucionalização naquela época. Entretanto, o radicalismo da guerra fria, alimentado pela situação cubana, e os problemas internos, como a inflação, acabaram minando o governo de Jango.

Continuando o argumento desenvolvido anteriormente, a questão da inclusão das massas tornara-se, nos anos 60, palpitante. As posições tornaram-se incomunicáveis. Não havia um consenso sobre o valor da democracia. Brizola, a CGT e os líderes trabalhistas instigavam Jango a dar um golpe antes que a direita o fizesse. Por outro lado, a fim de conter o “avanço comunista” e bloquear certas demandas trabalhistas, a UDN e setores das forças armadas queriam executar o golpe que vinham tramando desde 1954, até que Vargas tivesse cometido o suicídio. O nacional-desenvolvimentismo varguista e janguista tentou ultrapassar tais conflitos, mantendo-os em equilíbrio tenso. Contudo, a pressão americana, cujo embaixador Gordon foi figura central, e o radicalismo sindical esquerdista, inspirado no exemplo revolucionário de Cuba e no sindicalismo peronista, não deixaram que a democracia continuasse existindo.

A opção de Jango pelas reformas de base foi tardia e sem amparo na alta burocracia militar. Ele não soube superar as “cascas de banana” jogadas pela oposição civil de Lacerda ou Magalhães Pinto. Da mesma forma, não soube contemporizar os variados interesses da esquerda, tanto em Brizola, como em Arraes, no PCB ou nas ligas camponesas.Retomei esse breve evento histórico, o triste desfecho de 1964, para falar do retorno ao dilema do desenvolvimentismo.

Em 2010 haverá eleições, todos sabem. O governo federal abandonou o discurso da responsabilidade fiscal, da contenção de custos e do controle dos gastos públicos. O presidente já fala, nos discursos, que é “hora do povo pedir, pois é seu último ano”. Como irá governar em 2011, o próximo presidente eleito? Até que ponto o debate sobre o modelo desenvolvimentista e seus limites irá retornar? Quais o alcance desse tipo de atuação do estado? Será que as “ reformas de base”, antiga demanda trabalhista e nacionalista, foram realizadas pelo bolsa-família? Como reagirá o eleitorado se for chamado a conter seu ímpeto consumista e estatizante diante de eventuais problemas na gestão das contas públicas nos próximos dois ou três anos?

Em suma, certas questões passadas não foram, de forma alguma, superadas. Apontamos para um debate, aquele sobre os limites e contradições do modelo desenvolvimentista estatizante, tão usado por nosso atual governante máximo. Outros dilemas também podem ressurgir na próxima eleição, como a oposição nacionalismo X internacionalismo; regionalização X globalização ou desenvolvimento X preservação.

Em outros artigos retomarei esses problemas de nossa formação histórica e política, inclusive buscando demonstrar sua singularidade atual e como eles marcam nossa cultura democrática de hoje.

(*) É Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFAM.

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