sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

OS TIKUNA E O ABANDONO DO ESTADO NACIONAL

Ademir Ramos*

As fronteiras humanas do Brasil, no estado do Amazonas, na confluência da Colômbia e do Peru, região do Alto Solimões, são tão flexíveis que permitem alguns familiares fixarem residência no Brasil, matriculando seus filhos nas escolas dos países vizinhos.

Esse comportamento é muito mais evidente no município de Tabatinga, distante de Manaus 1.105 km, em linha reta, onde crianças e jovens cruzam a fronteira para estudarem nas escolas de Letícia, no Estado Colombiano, porque, segundo seus pais, a educação é muito melhor. É o mesmo caso da compra de gasolina e outros bens, quando brasileiros, colombianos e peruanos cruzam as fronteiras para satisfazerem suas necessidades de consumo. Em Tabatinga não se encontra posto de gasolina todo o consumo é feito via Letícia.

O acesso à Colômbia se dá pela Avenida da Amizade, que começa no aeroporto de Tabatinga e termina dentro de Letícia. Esta fronteira humana circulante torna-se ainda mais legítima, quando se conhece a extensa relação de parentesco vivenciada pelos povos indígenas caracterizada pela reciprocidade de bens e serviços.

Nesse universo culturalmente determinado é que vivem os Tikuna, Kokama, Kambeba, Kaixana, Witoto entre outros. Os Tikuna são uma das maiores nações indígenas do Brasil, estimada em 40 mil pessoas.

Para Fábio Vaz Ribeiro de Almeida e Regina Erthal, autores do texto referência - “Os Ticuna diante da Degradação Ambiental”, (ISA, 2000) -, esse povo, a partir dos anos 70, do século passado, começou a compreender com mais clareza “as mudanças de um padrão tradicional de ocupação do território que, junto a fatores externos e incontroláveis, tem determinado um processo de degradação ambiental que atinge de forma imediata suas reservas de alimentos e a provisão de água potável afetando, de maneira incisiva, seu bem estar e suas condições de saúde”.

Quanto à inserção dos Tikuna no movimento indígena, os autores, assessores do Conselho Geral da Tribo Ticuna (CGTT), afirmam que “desde final da década de 80 e início dos 90, os Ticuna vêm implementando, cada vez de modo mais eficiente, um projeto de autogestão que se tornou mais completo com a expansão da atuação do CGTT que, de órgão fiscalizador e definidor de políticas, adquire personalidade jurídica própria a partir de 1997, e passa a ter o papel de formulador e gerenciador de projetos nas áreas de desenvolvimento, saúde e educação”.

Esse processo de afirmação da cidadania indígena no Alto Solimões tem se pautado na luta pela demarcação de suas terras; na implantação de uma política de saúde; por uma educação diferenciada em todos os níveis de escolaridade; na afirmação da cultura identitária que se expressa numa política editorial e artística, bem como, a participação efetiva de lideranças indígena no processo eleitoral com representação nas Câmaras Municipais e ampla articulação com os políticos profissionais do Estado.
No curso da história registra-se a também a presença efetiva do processo de militarização da região; do extrativismo; da presença das congregações religiosas; manifestações messiânicas e formas espirituais da ancestralidade indígenas.

Nessa circunstância a tensão e o conflito tem sido uma marca recorrente nesse território, sobretudo, porque, o Estado se faz ausente quanto às ações de políticas públicas, conjugando os Atos de governo com o mandonismo das prefeituras municipais, promovendo a corrupção e o descaso contra as populações locais, que se concretiza na exclusão dos povos indígenas fundamentada na prática do preconceito para justificar o controle dos instrumentos do Estado em favor dos interesses das Oligarquias extrativistas da região.

(*) É Professor, antropólogo e coordenador geral do NCPAM.

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